terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Além de fonte para pesquisa ou deleite literário, a lírica galego-portuguesa do séc. XIII pode servir ainda – e servirá – como um interessante pretexto para essa breve e imprecisa reflexão a respeito do uso dos termos amigo/amiga. À época citada, as palavras amigo/amiga guardavam um duplo e belo sentido mais próximo do seu original. Em latim, Amicus não apenas denotava aquele por quem se tinha amizade, mas servia também para designar um favorito, um protetor, o homem amado. Amica, por sua vez, era aquela que ama, a amante, a amada. Ambos derivavam do verbo amare, que dispensa traduções.

Nas cantigas medievais galego-portuguesas, esse significado se preserva: o Eu-lírico feminino das Cantigas de Amigo utiliza indistintamente as palavras amigo/amado para referir-se ao seu objeto de afeição. Acostumado ao sentido distinto dos termos, o leitor contemporâneo talvez se confunda com isso, mas em pouco tempo percebe que a sua leitura ganha uma beleza adicional: o poema acaba por lhe oferecer a delicadeza de fundir os dois tipos de amor. O mesmo se passa nas Cantigas de Amor, nas quais o Eu-lírico masculino se refere igualmente a uma amiga/amada. (Ele se refere a ela, no entanto, principalmente como senhora, o que abre uma outra série de matizes que não nos interessa discutir aqui.)

O fato é que o duplo sentido do termo se conservou por longo tempo até que amigo/amado concentrassem significados diversos. Ainda no séc. XIX, Moraes e Silva considera amante como o segundo sentido do verbete amigo; amiga traz imediatemento o sentido de amásia, concubina. Apenas nos nossos dias os significados divergem no linguajar comum, mas ainda assim os dicionários conservam a origem e o sentido especial da palavra amigo.

É interessante observar que no francês deu-se fenômeno diverso, o duplo sentido conservou-se: petit ami/petite amie (literalmente pequeno amigo/pequena amiga) significam igualmente namorados, amados, amantes.

Acompanhar as palavras através dos séculos pode exigir um bocado de paciência e dedicação; para o verdadeiro filólogo, no entanto, não há nada mais fascinante.

Um comentário:

Ana Paula disse...

Imagina se tu não tivesse que estudar para 1 bilhão de provas... HAHAHAHAHAHAHAHAHAAA