segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Eu não ia escrever hoje,

porque foi um dia um pouco ruim. Meu senso de humor foi passear e me deixou sozinha. Detesto quando ele faz isso, mas de vez em quando é assim. Quando ele descobre que está tapando um buraco grande demais, fica indignado e vai dar uma volta, até que eu aterre um pouco o abismo para ele poder voltar.

Então eu não ia escrever, para não aporrinhar vocês, mas, ei, peraí, essa porcaria desse blog é meu ou não é? Então não ia, mas resolvi que sim, depois que li uma pequena reportagem sobre implante coclear numa revista leiga. (Não, não vou linkar nem citar a revista, que é para não fazer propaganda...
Tá mentira! Tô morrendo de preguiça de procurar link e tal, então faço pose de alternativa e me recuso a postar o nome da publicação.
Ou então tô inventando isso, licença poética, e vocês nunca vão saber se a reportagem existiu mesmo ou não (parêntese do parêntese: a louca leu Borges e acha que sabe alguma coisa!))

Onde é que eu tava mesmo? Ainda tem alguém aí?

Sim, o implante coclear. Resumindo, é uma técnica/aparelho que permite às pessoas com surdez de nascença passarem a ouvir (não, não é assim milagroso como parece, mas se eu for entrar nos meandros da coisa, esse texto fica ainda mais chato do que já está); a reportagem explicava a técnica e entrevistava uma menina de 18 que estava aprendendo a ouvir graças ao aparelho – e finalmente cheguei onde eu queria!

A menina contava sobre a emoção de ouvir as coisas: conhecer a voz da mãe, ouvir a irmã menor chorar, se assustar com buzina; contou que outro dia tinha enchido as mãos em concha e jogado na pia para ouvir o som da água.

Ouvir o som da água.

Sim, estou com os olhos cheios enquanto escrevo isso (alguém ouviria meus olhos?). E penso em como esqueço de dar valor para todas essas coisas. Esqueço rápido, esqueço fácil, de como esses detalhes são a melhor parte das coisas... e a melhor parte das pessoas também.
Prestar atenção no som das coisas e na voz das pessoas; enxergar, efetivamente enxergar, e não passar pelo mundo distraída, com o pensamento sempre mais rápido que o passo, olhando para coisa alguma.

Eu devo ter olhos vagos, vazios, ou talvez um pouco tristes, não sei.

Mas esqueço. Esqueço de como é bom tocar, sentir o calor das pessoas e o frio das coisas. E o cheiro. E os gostos. Levar aos lábios, devagar. Perceber, não só o que é quase imperceptível, mas o que se oferece inteiro, todo, de bom grado, sem pedir nada em troca, o que se oferece do mundo para a gente o tempo todo e que, de tão fácil, a gente simplesmente esquece, releva, e, finalmente, perde.

Queria não perder tanto. Não perder tanto de mim também.

Tenho tentado recuperar minha generosidade. Hoje conversava com um amigo da faculdade sobre isso. Sobre generosidade e sobre a preocupação dele por ter ouvido um veterano dizer que lá pelo 3º ou 4º semestre ninguém mais se agüenta na turma, "será que vai ser assim?" - nos perguntamos. E eu contei para ele de como sempre tinha achado fácil gostar das pessoas; gostar das pessoas e ver nelas o que elas tinham de melhor. E de repente, pela primeira vez, achava difícil. Pela primeira vez, vivo num ambiente em que desgosto de um grande número de pessoas. Não, nunca tinha me acontecido. Quero de volta minha generosidade, quero de volta o saber enxergar o que é tão bom em cada um e relevar o que é tão ruim. Quero de volta uma parte minha que se escondeu, onde? Por que?

E falamos do nosso medo de que tudo vire competição. E combinei com ele de brincadeira, mas um pouco de coração, que se ele escolher cárdio, eu escolho onco, e se ele escolher onco, eu escolho cárdio, para a gente poder estudar junto até o fim do curso. E assim talvez fique um pouco melhor.

Se eu aprender.

Se eu não tiver tanto medo.

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Não acredito que eu escrevi outra porra de texto desconexo sobre como eu gostaria de ver as coisas bonitas da vida!!! (Graças a deus! Pelo menos o cinismo voltou!)

E FODA-SE a prova de bioquímica!

3 comentários:

Menina Dedê disse...

Ooooon, que lindo! Ouvir a água, ouvir silêncio. Acho importante. Chegar em casa e não ligar a tevê (pra ter barulho de fundo). A gente não precisa de barulho de fundo, nem de coisas de fundo, nem de gente de fundo.

Acho até que é por isso que a gente vai ficando mais velha (cof) e aprendendo a não gostar de algumas pessoas (eu aprendi). Porque é gente de fundo. Eu não quero de volta minha generosidade, nesse sentido. Um pouco menos de amargura era bom, mas há pessoas e pessoas e eu não consigo mais ser moranguinho e ficar procurando o que de lindo cada um tem, mesmo que o feio me desagrade muito mais.

Ana Paula disse...

Se sou eu a dizer estas coisas, me internam na hora...

@Memorex disse...

Mais belo que o som da água, é o cair da chuva, o som do vento, uma folha de arvore caindo rebolando pelo solo abaixo.

O canto das cigarras, passarinhos a cantar, uma simples gargalhada, e diferentes tonalidades vocais de cada um. Ouvir meu nome de alguém me chamando.

A caneta deslizar no papel, a respiração... e muita coisa.

Beijo!
M